junho 15, 2006

CRESCIMENTO SUSTENTADO: SEM HORIZONTE?

ARTIGO (Folha de S.Paulo de 15-06-06)
Crescimento sustentado: sem horizonte?
Nossos maiores problemas são o "custo Brasil", o custo do trabalho, a elevada carga tributária e a nossa dificuldade em fechar acordos comerciais favoráveisMARIA CRISTINA MENDONÇA DE BARROSTEREZA MARIA FERNANDEZ DIAS DA SILVA O DESEMPENHO positivo da economia mundial vem surpreendendo a maioria dos analistas. As revisões de crescimento, quando acontecem, dão-se para cima. Os Estados Unidos acabaram de divulgar o resultado do PIB (Produto Interno Bruto) do primeiro trimestre, apontando para o crescimento próximo de 5% ao ano. A maioria dos países asiáticos cresce fortemente, liderados pela economia chinesa, que deve superar mais uma vez os 10% ao ano. Na América Latina, o crescimento esperado para 2006 é da ordem de 4,3%. O Brasil é um dos países de menor crescimento esperado, de 3,5% no ano, confirmando a tendência recente de crescermos abaixo da média mundial. Por que isso? Muito se tem falado sobre a superação de nossa restrição externa ao crescimento, pelo desempenho da balança comercial e pela importante diminuição do nosso endividamento. De fato, a dependência brasileira de financiamento internacional diminuiu expressivamente, permitindo a valorização de "rating" e a diminuição do "spread" de captação de papéis brasileiros -públicos e privados. No entanto todo esse avanço no setor externo brasileiro não tem sido suficiente para atrair investimentos que nos garantam o tão desejado crescimento sustentado. Na verdade, a melhoria do setor externo, somada à atração dos juros praticados domesticamente, teve como conseqüência uma mudança no valor relativo do nosso câmbio que tem provocado alterações importantes na gestão da maioria das empresas e afetado as decisões de investimento. Dito de outra forma: além de mudar, por si só, as condições de competitividade da nossa economia, a valorização do real desnuda os problemas estruturais que impedem o crescimento sustentado e que, somados à competição chinesa, obriga nossas indústrias a um ajuste profundo. Quais são esses problemas estruturais? São o chamado "custo Brasil", que começa nas nossas estradas e portos, passando pelo custo do trabalho e pela elevadíssima carga tributária e que são aprofundados pela nossa dificuldade em fechar acordos comerciais favoráveis. Todos esse fatores, associados à valorização da moeda, têm dificultado a vida de muitas indústrias e transformado a vida de outras tantas. Alguns setores foram afetados mais rapidamente e já sofrem as conseqüências da mudança no patamar do câmbio, a exemplo do agribusiness, um dos mais importantes da economia brasileira. Reconhecidamente uma das mais competitivas do mundo, a agropecuária brasileira está atravessando uma crise de liquidez e inadimplência decorrente da queda de rentabilidade. Não é sem motivo que a Bunge, uma das maiores empresas atuantes no complexo de soja no Brasil, suspendeu investimentos próximos a US$ 1 bilhão (cerca de R$ 2,28 bilhões) no país, além de estar diminuindo o tamanho da sua operação (foram fechadas nove fábricas). A ADM, sua concorrente, reduziu em 30% sua capacidade de processamento. Outros setores da economia estão buscando soluções diferentes. Algumas de nossas indústrias estão investindo fora do país, o que é positivo do ponto de vista da sua internacionalização, mas que, no curto prazo, traduz-se num desestímulo a mais para o crescimento doméstico. Essa lista não é pequena, e estamos vendo as notícias diariamente nos jornais. Na área têxtil, duas fusões importantes aconteceram: a Santista com a Tavex e a Coteminas com a Springs, ambas fundamentais para a sobrevivência dessas empresas, mas que estão levando para a América Central e para a Ásia os investimentos em novas unidades. A Motores WEG está ampliando sua atuação na China e no México. A Ford do Brasil está investindo em quatro novas unidades na Ásia e não tem nenhum plano de novos investimentos no Brasil. A Marco Polo já se prepara para investir na sua sexta subsidiária externa. Na área química, a Unigel acabou de anunciar a compra de uma fábrica no México para, por meio daquele país, participar de maneira mais ativa nos mercados americano e mexicano. Esses são alguns exemplos conhecidos de redirecionamento de investimentos. Outra parte da indústria está substituindo insumos e componentes nacionais por importações de intermediários, como alternativa para a manutenção da competitividade. O setor de autopeças tem utilizado as importações de maneira importante, diminuindo o grau de nacionalização dos nossos automóveis, o mesmo acontecendo com setores como o moveleiro, o calçadista e o de partes e peças de motores industriais, sem, contudo, ampliar de maneira importante a sua capacidade produtiva. O setor siderúrgico também está preocupado. As importações chinesas de produtos com aço contidos em carros, máquinas e equipamentos e autopeças poderá implicar, em futuro próximo, a redução da produção de aço brasileira. E, finalmente, as mais afetadas estão encerrando suas atividades industriais e passando a comercializar produtos de outros países -aconteceu recentemente com uma empresa do setor de acessórios para móveis, no Paraná. Enquanto comemoramos o resultado positivo do setor externo, que em parte tem respaldo no forte crescimento mundial e na elevada liquidez presente no mercado internacional -fatores não definitivos-, estamos mais uma vez perdendo a oportunidade de encaminhar uma solução de longo prazo. Estamos distantes de termos uma solução satisfatória para o problema fiscal que nos faz campeões mundiais de arrecadação, obriga-nos à manutenção de uma política monetária agressiva e afasta investimentos produtivos de porte. Não demos conta de solucionar os gargalos da infra-estrutura, que tiram competitividade de forma importante. Não avançamos na modernização da legislação trabalhista. E, finalmente, a política externa brasileira não tem conseguido resultados comerciais que permitam uma inserção mais competitiva no comércio internacional. O conjunto da obra diminui a atratividade relativa do Brasil no fluxo mundial de investimento. Por enquanto, vamos surfando na onda do crescimento mundial que tem elevado o preço das nossas commodities e possibilitado algum repasse de preço em bens manufaturados. Mas essa não é definitivamente a solução para os nossos problemas.
MARIA CRISTINA MENDONÇA DE BARROS e TEREZA MARIA FERNANDEZ DIAS DA SILVA são sócias da MB Associados