junho 22, 2006

O projeto perdido, por Paulo Rabello de Castro, Folha de São Paulo de 21-06-06

PAULO RABELLO DE CASTRO - "O projeto perdido"
De fato, Brasil perdeu o gosto pelo sucesso do crescimento, tornou-se um país de triste estabilidade
O TIME de Lula, ao chegar ao poder, não tinha política econômica de crescimento para oferecer ao país. Aliás, ganhou a eleição pela mera esperança dos seus eleitores -vencendo o medo- de ver aplicado um programa de mudanças efetivas, mas sem os contornos da política defendida pelo PT em suas convenções anteriores. A "Carta ao Povo Brasileiro" representou uma espécie de contrato social de última hora, bem bolado pelos príncipes do partido para os barões do mercado. Deu certo. O extraordinário crescimento mundial nos três anos que se seguiram, e ainda neste, sem nenhuma crise de ajustamento externo, associado à chamada "âncora verde" da produção agrícola embalada pelo dólar alto até 2004, propiciou elementos essenciais ao sucesso da estabilização com alta de salário mínimo (embora quase nenhum do salário médio!) alcançado na era Lula. A fórmula da canja de galinha do ministro Palocci também deu certo no plano fiscal: arrocho crescente pelo lado da tributação e início de uma série de medidas de avanço nas reformas chamadas de "microeconômicas", como se convencionou apelidar a "agenda perdida" preparada por liberais da FGV. O belo esforço neoliberal de Palocci foi pavimentado pelo juro mais alto do mundo, atraindo os capitais de curto prazo, dando alegria aos investidores financeiros e fazendo a festa dos mercados de capitais. O agronegócio bancou a conta. O projeto de crescimento econômico do governo Lula, se houve algum, ao menos no discurso, perdeu-se de vez no calendário das atas do Copom. Um projeto perdido, que não fez a mínima falta a um país embalado a sonhos de futebol (que nem isso tem para encher os olhos cansados do torcedor...). O crescimento econômico -como paradigma de avaliação de desempenho dos governos- há muito não consta na lista de exigências do eleitor brasileiro, já acostumado à semi-estagnação do mercado nacional. Por que ocorre a posição conformista do eleitor? Situação semelhante foi vivenciada, pela última vez, no período de 95 a 98, primeiro mandato de FHC, que lhe garantiu a vitória na reeleição, em 1º turno. Tanto então quanto agora o salário paulista vale mais em termos de moedas estrangeiras. O brasileiro quer passear no exterior, e o poder de compra cresceu formidavelmente. Porém esse ganho não é sustentável. Implicará novo ajuste, porque a indústria não tem conseguido competitividade adequada para seus produtos nessa faixa cambial. Outros países, especialmente em períodos autoritários (por exemplo, a Argentina de Martinez de Hoz) ou quando usufruindo demanda excepcional por um produto predominante nas suas exportações (como o cobre no Chile, atualmente), acabam tendo uma valorização cambial desalinhada a suas necessidades de crescimento a longo prazo. A Argentina do general Videla, ao final dos anos 70, contratou dólares de empréstimo para sustentar o câmbio artificialmente valorizado, "moendo" a indústria local e provocando o desequilíbrio macroeconômico daquele país nos anos 80. No Brasil, temos usado o expediente da valorização cambial, às expensas do crescimento do setor produtivo. É a política oposta à dos concorrentes asiáticos, de modo geral, e da China, especialmente, mas também do Japão, durante longo período do pós-guerra. A política desses países, de desvalorização controlada da moeda local, conjugada à acumulação de reservas e baixa propensão ao gasto público, rendeu-lhes crescimento acelerado por longos anos. A Argentina de Néstor Kirchner resolveu contrariar a tradição de Videla e Martinez de Hoz. Mantendo o câmbio mais desvalorizado, adotando uma política que atrapalha um pouco o controle inflacionário, mas lhe dá amplo ganho em crescimento econômico, já conseguiu colocar uma cabeça e meia à frente do Brasil em sua recuperação após a tragédia do câmbio unitário com o dólar. Em quatro anos, o PIB argentino cresceu quase o triplo da média brasileira: em 2003-2006 (estimada) de 2,85% para o Brasil e de 8,75% para a Argentina. Na visão retrospectiva de 1990 para cá, com todos os seus trágicos erros, a economia da Argentina iguala-se à do Brasil, que teria tanto mais potencial. De fato, o Brasil perdeu o gosto pelo sucesso do crescimento. Tornou-se um país de triste estabilidade.
PAULO RABELLO DE CASTRO , 57, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.
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